El discurso de tres entrenadores escolares sobre la iniciación y especialización del baloncesto

The speech of three school coaches on basketball initiation and specialization

Fábio Augusto Vieira, Walmir Romário dos Santos, Rafael Pombo Menezes

Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (Brasil).

Resumen


Objetivo: identificar las categorías consideradas idóneas para la iniciación deportiva, especialización deportiva y especialización en una posición de juego dentro de la modalidad de baloncesto.

Métodos: se realizaron tres entrevistas semiestructuradas con entrenadores, cuyos testimonios fueron analizados con base en el método de Análisis de Contenido.

Resultados: a partir de los discursos de los entrenadores y la interlocución entre otros autores, se observó que entre ellos no existe un enfoque considerado ideal para la iniciación deportiva, la especialización deportiva temprana es una preocupación común entre ellos y se debe tener cuidado de especializar al deportista en una posición solo por factores morfológicos, biodinámicas y pedagógicos; en opinión de los entrenadores, esta especialización debería darse entre las categorías sub-16 y adulta.

Conclusión: los entrenadores mostraron preocupación por aspectos relacionados con la especialización temprana, con discursos relacionados con la literatura sobre el grupo de edad para disminuir la implicación con otras modalidades.

Palabras clave: Pedagogía deportiva; Baloncesto; Iniciación deportiva; Especialización deportiva


Abstract


Objective:to identify the categories considered ideal for sports initiation, sports specialization and specialization in a field position in basketball.

Methods:three semi-structured interviews were conducted with coaches, whose testimonies were analyzed based on the Content Analysis method.

Results:from the coaches’ speeches and the interlocution among other authors, it was observed that there is no approach considered ideal among them for sports initiation, early sports specialization is a common concern among them and care should be taken to specialize the athlete in a position due to morphological, biodynamic and pedagogical factors; the coaches' opinion revealed that this specialization should occur between the under-16 and adult teams (categories).

Conclusion:the coaches showed concern with aspects related to early specialization, with speeches aligned with the literature on the age group (category) to reduce involvement with other sports.

Keywords:Sport Pedagogy; Basketball; Sport Initiation; Sport Specialization.

Recibido: 02-12-2020

Aceptado: 15-01-2021


Correspondencia:


Rafael Pombo

Menezes.

E-mail: [email protected]

Introduction

Estudos que envolvem iniciação e especialização esportiva vêm aumentando nos últimos anos1-4. Por uma relativa ascensão e popularização do basquetebol no Brasil, Silva, Galatti e Paes3 destacam a importância de capacitar profissionais e disseminar a modalidade para que o processo de iniciação não ocorra de modo tardio, prejudicando o processo formativo e um possível alto rendimento.

Ramos e Neves apontam que “iniciação esportiva” é o termo utilizado para explicar o primeiro contato de um jovem com uma ou mais modalidades esportivas. De modo complementar, Ferreira1 caracteriza o processo de iniciação pelo marco da especialização em uma determinada modalidade esportiva. Portanto, para o autor, todas as práticas realizadas até a definição de uma modalidade são tidas como iniciação esportiva.

A formação esportiva deve ser vista como um processo gradativo, de longo prazo que respeita as capacidades e as individualidades dos praticantes. Para Ferreira1 pelo fato de as crianças ainda estarem em desenvolvimento, habilidades motoras e da cognição devem ser enfatizadas por meio da prática esportiva. No âmbito do treinamento esportivo prevalece uma lógica organizacional (periodizada) diretamente ligada ao incremento de aspectos do desempenho físico, técnico e tático. Embora as transições entre categorias sejam definidas pela idade cronológica, nem sempre os praticantes estão aptos a essas ao considerar os aspectos maturacionais, de crescimento e desenvolvimento, e passam a ser influenciadas pelas abordagens do treinador e pelas características da modalidade.

Uma estruturação do processo de formação esportiva em longo prazo foi proposta Côté, Baker e Abernethy, com o Modelo de Desenvolvimento de Participação Esportiva (DMSP, do inglês Developmental Model of Sport Participation) que descreve três trajetórias esportivas distintas. A primeira de las se refere à participação recreativa ao longo da vida a partir de práticas diversificadas (ênfase no lazer); a segunda discorre sobre o esporte de elite a partir de práticas diversificadas; e a terceira sobre os processos de especialização esportiva precoce.

A especialização esportiva precoce está associada à opção dos treinadores em preconizar práticas que almejam o êxito esportivo em crianças e jovens quando estes não estão preparados. Esse contexto pode prejudicar os praticantes em diferentes aspectos, fazendo com que ele não se interesse nem mesmo por atividades recreativas na fase adulta.

Partindo deste panorama, as opiniões dos treinadores vêm se tornando uma importante vertente para identificar aspectos inerentes ao processo de formação de jogadores8-10, especialmente por esses assumirem papel fulcral no desenvolvimento da equipe, serem responsáveis pelas sessões de treinamento e pela organização e relacionamento com todo o entorno de sua equipe

Dada a ausência de consenso dos estudos que investigam o processo de iniciação e especialização esportiva8-10, as entrevistas são adotadas de modo recorrente na literatura para a obtenção de informações e concepções dos treinadores. Outro aspecto a ser destacado é a escassez de estudos envolvendo o contexto do basquetebol escolar brasileiro, âmbito este que pode proporcionar informações sobre a etapa inicial de formação do jogador. Neste contexto, por meio dos discursos de treinadores de basquetebol escolar, o objetivo deste estudo foi identificar as categorias mais adequadas para a iniciação esportiva, especialização na modalidade e especialização em postos específicos.

Métodos

Desenho de estudo

Este estudo seguiu um desenho observacional nomotético (entrevista e posterior análise dos discursos de treinadores de basquetebol), pontual (partiu-se de corte transversal, descontínuo) e multidimensional (levando como base diferentes aspectos para a iniciação e especialização no basquetebol).

Tipo de pesquisa

O estudo adotou uma abordagem qualitativa, uma vez que esta traz aspectos específicos dos discursos de um determinado grupo13, sem a necessidade de comparar grupos ou comprovar um determinado modelo14.

As opiniões e a perspectiva dos participantes (neste estudo os treinadores de basquetebol), assim como a reflexividade do pesquisador, são elementos fundamentais da pesquisa qualitativa15, que partiu das opiniões dos treinadores sobre as categorias consideradas mais adequadas à iniciação e à especialização de jogadores no basquetebol. A interpretação dos significados atribuídos pelas falas dos treinadores às questões específicas deste estudo seguiu categorias pré-estabelecidas (iniciação e especialização) a partir das prerrogativas da Análise de Conteúdo.

Participantes e aspectos éticos

Foram convidados para o estudo treinadores de basquetebol que atuaram no âmbito escolar em um município do Estado de São Paulo/Brasil/SP, durante o período de 2018 a 2019. Neste sentido, foram contatados (por meio telefônico e pelo aplicativo WhatsApp por meio de um texto previamente elaborado) e convidados para o estudo os sete treinadores vinculados na Secretaria Municipal de Educação. Neste sentido, três aceitaram participar do estudo (caracterizados como T1, T2 e T3).

Todos os participantes preencheram os seguintes critérios de inclusão: a) ter graduação em Educação Física; b) exercer a função de treinador escolar no município; c) estar atuando em equipes do âmbito escolar (sub-14 - ensino fundamental; ou sub-17 - ensino médio). Partindo de tais critérios, os treinadores possuíam idade de 51,3 (±2,35) anos, com experiência profissional no basquetebol há 32,3 (±2,1) anos e graduados em Educação Física há 26 (± 7,0) anos. Nenhum dos participantes possui pós-graduação.

Este estudo foi submetido e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa institucional (parecer 39796814.8.0000.5659). Aos participantes foi informada a relevância da participação no estudo, bem como a garantia de manutenção do sigilo de sua identidade e o uso dos depoimentos para fins exclusivamente acadêmicos. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) procedeu-se às entrevistas, de maneira individual.

Procedimientos da entrevista

As entrevistas foram guiadas pelos procedimentos metodológicos propostos por Triviños17, a partir das seguintes etapas em ordem cronológica: 1) realização do primeiro contato com o treinador (via telefone ou redes sociais) para apresentar o objetivo do estudo e o pesquisador responsável; 2) realização da entrevista (gravada na íntegra) em local e data agendados, sem concorrer com suas atividades profissionais; 3) transcrição das respostas.

O instrumento de entrevista semiestruturada deste estudo foi organizado em dois blocos: preparatório e específico. No bloco preparatório foram mapeados aspectos pessoais e da formação do treinador, aplicado para não se sentir inibido na presença do gravador. As questões deste bloco foram as seguintes: “Qual sua idade?”, “Possui curso de graduação? Em que ano? ¿Por qual instituição?”, “Possui curso de pós-graduação? Em que ano? ¿Por qual instituição?”, “Há quanto tempo você atua como treinador?”. O bloco específico aborda a temática norteadora deste estudo e foi composto por três perguntas: “Qual seria a idade ideal para a iniciação esportiva?”, “Qual seria a idade ideal para a especialização no basquetebol?”, “Qual seria a idade ideal para a especialização em uma posição dentro da modalidade?”.

Análise dos discursos

Os conteúdos verbais transcritos foram analisados a partir da Análise de Conteúdo proposta por Bardin16, a partir das três etapas: 1) pré-análise: as transcrições foram lidas de modo flutuante para a produção e a formulação de temas para as posteriores discussões e elaborações de hipóteses; 2) exploração do material: os dados foram codificados e estabeleceu-se categorias (neste estudo foram adotadas à priori “iniciação” e “especialização”), nas quais foram definidos os temas de registros e das unidades de contexto (segmentos da mensagem que refletem os significados encontrados nos temas de registro); 3) inferência: diz respeito aos polos de análises nas quais podem ocorrer à análise de conteúdo. Os resultados foram discutidos a partir da interlocução com o Modelo de Desenvolvimento de Participação Esportiva6, considerado como pano de fundo para a análise. Na Figura 1 está apresentado o fluxograma desde a realização das entrevistas até a análise dos resultados.

Figura 1: Fluxograma das etapas inerentes ao método do estudo

Resultados

O objetivo deste estudo foi investigar, por meio dos discursos de treinadores de basquetebol, quais seriam as idades consideradas ideais para a iniciação esportiva, especialização no basquetebol e especialização em funções táticas específicas do basquetebol. Os dados foram organizados em duas seções, uma de cada categoria definidas à priori: iniciação e especialização.

Iniciação

Foram identificadas três unidades a partir das análises dos discursos dos treinadores. A primeira unidade acredita que a iniciação esportiva deve ocorrer na categoria sub-6; a segunda acredita que esse processo deva ocorrer na categoria sub-10; já a terceira unidade aponta que não há uma idade considerada ideal para a iniciação no esporte.

Em relação à iniciação esportiva, o T1 aponta que o basquetebol deve ser ofertado a partir dos 6 anos de idade de maneira prazerosa, com fins recreativos e sem almejar o rendimento esportivo:
“5 ou 6 anos, minibasquete e brincar, brincar contato com bola de forma lúdica, acho que na vida tudo se aprende de forma lúdica, e depois da ludicidade você vai impondo situações intensidades, ritmos diferentes, mas se você fizer o garoto ou garota gostar do esporte, não tem como cobrar”. (T1)

Neste discurso foi possível identificar a utilização do minibasquetebol com crianças de 5 e 6 anos como uma forma de apresentá-las ao esporte, possibilitando o envolvimento e a diversão. Deste modo, adaptar uma prática esportiva para que a criança goste da modalidade e tenha boas experiências em um contexto sem a cobrança de resultados competitivos, corroborando outros estudos na área.

Côté descreve atividades de naturezas distintas e suas principais características ao longo da formação de esportistas, com destaque para jogo deliberado e prática deliberada. O jogo deliberado pode ser compreendido como atividades que têm regras adaptadas pelos próprios praticantes para priorizar a motivação intrínseca, gratificação e divertimento. Nesse ínterim, devem ser oferecidos contextos e oportunidades que possibilitem que as crianças brinquem, ou joguem deliberadamente, na etapa de diversificação (até aproximadamente 12 anos de idade), abordado por dois treinadores neste estudo. Já a prática deliberada busca o desempenho, as recompensas futuras, pauta-se a motivação extrínseca e pode ser compreendida como atividades relacionadas ao desempenho da técnica esportiva.

O T2 indica que com 6 anos o aluno deve praticar atletismo ou alguma das vertentes da ginástica, e justifica essa posição pelo repertório motor oferecido por essas modalidades, ou seja, são modalidades básicas para os praticantes desenvolverem um repertório motor e possam vivenciar outras modalidades. Posteriormente o T2 ainda relata que seria ideal oferecer diversas modalidades esportivas para crianças dos 8 aos 12 anos, para que pudessem escolher futuramente a modalidade em que se sintam mais confortáveis:
“Eu acho que a criança deve começar a partir dos 12 anos, eu acho que a crianças de 4 aos 6, 7 anos de idade eles deveriam ser obrigados a fazer atletismo e ginástica olímpica ou ginástica artística, pelas inúmeras qualidades que esses exercícios desenvolvem nessas crianças, dos 8 anos de idade até os 10, 11 anos eu acho que a criança deve praticar vários esportes, ela não pode ficar presa em só um esporte, porque de repente ela fica tantos anos num esporte, e ela tinha uma aptidão e a capacidade para uma outra modalidade e ela perde a oportunidade de praticar outro esporte, talvez naquele que ela tenha talento”. (T2)

Paes e Oliveira relatam a importância das capacidades motoras nessa faixa etária, proporcionadas por um ambiente sadio para que o praticante venha futuramente realizar diversas práticas com êxito, o que vai ao encontro de um trecho da fala de T2. No entanto o discurso de T2 apresenta-se de maneira incongruente, pois entende-se que a diversificação pode ocorrer com atividades de diferentes naturezas6, como brincadeiras, jogos, e outras modalidades. Ao relatar a utilização de duas modalidades específicas (atletismo e ginástica artística), T2 ignora as possibilidades de diversificação de práticas durante a sessão de treinamento do basquetebol e reforça o discurso de que é necessário aprender para jogar. Dessa forma, T2 deixa de assumir que o basquetebol (modalidade na qual é treinador) pode englobar tarefas que estimulem o desenvolvimento de um amplo repertório motor, por exemplo, por meio de saltos, corridas, arremessos, manipulação, coordenação e equilíbrio.

Já o discurso de T3 relatou a importância dos pais na iniciação esportiva, que muitas vezes são os responsáveis pelo primeiro contato da criança vai ter com o esporte.
“Eu acho que nós temos que estar muito voltados com a formação do indivíduo, principalmente levando em consideração os aspectos físicos, mental e emocional aí dessa criança, desse indivíduo, para que seja algo aí para contribuir que chegue lá na vida adulta. Nós não podemos quebrar etapas, eu acho que a grande falha que a gente vê nesse processo todo esportivo, que muitas vezes querem quebrar etapa, às vezes só visando a parte comercial, essas escolinhas que soltam a torta direito aí e às vezes a criança não tá pronta pra isso, muitas vezes o início se tem a partir de uma ação dos pais, então o que que a gente espera? Procura os pais né, e eu faço a seguinte situação pra eles, estimular, a partir do momento que a família estimula, ainda mais nos dias de hoje, o andar, correr, nadar, saltar tá, você já tá, na minha opinião, tendo todo um processo natural de iniciação esportiva, prazerosa através de brincadeiras e jogos, nós temos que estimular. Ao passo que hoje a nossa sociedade estimula muito o uso da informática, é muito mais cômodo para as famílias, então o primeiro processo aí vem já da família, e o outro exemplo também, se na vida adulta aquele indivíduo for um atleta de natação, ou que ele goste muito de natação, muitas vezes é, o início esportivo teve com a família que levou logo cedo para uma piscina da casa, ou no clube, ou levou a praia , ou seja para que ele, gostar do meio água, ou também dependendo da família às vezes, que desde cedo colocou aquela criancinha em uma escolinha de natação, então não existe uma receita pronta.” (T3)

De maneira oposta aos demais treinadores, T3 acredita que não se deve iniciar em uma faixa etária pré-determinada, justamente pelo fato de o praticante ainda estar passando por importantes etapas do processo maturacional. Para Gallahue e Ozmun21 é importante respeitar os aspectos maturacionais dos praticantes mesmo na iniciação e que com o passar do tempo aumente a complexidade dos elementos a serem aprendidos. Para T3 na primeira infância os praticantes são dependentes dos pais, que são responsáveis por introduzi-los aos ambientes nos quais ocorrem as práticas. Gabarra, Rubio e Ângelo22 reafirmam a importância dos pais na iniciação esportiva devido às questões financeiras, aos estímulos e ao deslocamento até as instalações esportivas. Contudo, a possível interferência dos pais no contexto da iniciação esportiva pode ser prejudicial, já que alguns podem exacerbar a cobrança por rendimento sem que as crianças estejam preparadas.

Especialização

Foram identificadas cinco unidades a partir das análises dos dois temas oriundos dos discursos dos treinadores. O primeiro tema se refere ao processo de especialização no basquetebol, no qual duas unidades foram encontradas: a) que o processo de especialização deva ocorrer na categoria sub-12; e b) que não aponta uma categoria ideal para a especialização. Também foram identificadas as categorias entendidas como ideais para a especialização em uma função tática no basquetebol, representadas por três unidades: a) especializar na categoria sub-16; b) especializar na categoria adulta; c) não há uma categoria ideal para especializar em uma função tática.

O discurso do T1 a revelou que a especialização no basquetebol deve ocorrer a partir dos 12 anos, justificada pelo fato de que até essa idade a prática esportiva deve ter caráter mais recreacional e sem compromisso com os resultados. Até a categoria sub-12, para T1, o basquetebol deve ser ofertado de maneira com que o participante tenha prazer pela prática, evitando cobrança e frustração. De maneira análoga, T2 também defende que a especialização no basquetebol deva ocorrer entre 12 e 13 anos de idade.
“Especializar, especializar 12, 13 anos. Até 12 acho que é muito festival, muita brincadeira, jogos pré desportivos, sem muito, vai sem muito placar, sem muita ênfase de competição, com intuito de ganhou, perdeu, mas com um tom de brincadeiras e pra poder melhorar.”(T1)
“Quando a criança chega nos 12 anos de idade, ela já passou por vários esportes, aí ela pode definir ou alguém definir para ela através de observações a capacidade de qual esporte que ela tem aptidão e ela pode seguir. Então eu acho que tem que ter muito esse discernimento pra gente descobrir os talentos, mas 12 anos de idade, de 12 pra 13 ela já tem que decidir o que ela quer.” (T2)

O DMSP6 aponta em sua segunda trajetória (rendimento de elite a partir da diversificação de estímulos) que a partir dos 12 anos ocorre uma diminuição do envolvimento em diversas modalidades, iniciando a etapa de especialização. Dessa forma, é possível apontar um alinhamento entre os discursos dos treinadores e as prerrogativas do DMSP.

O discurso do T3 aponta para uma perspectiva distinta, pois defende que não há uma idade “ideal” para especialização dos praticantes. Para T3, é importante considerar características do desenvolvimento, que influenciam as capacidades dos participantes.
“Eu acho que isso depende muito de individuo para individuo, depende muito. A gente tem várias histórias em que as vezes um cara começou tarde, ele não tinha às vezes a maturação apropriada para isso, uma maturação tardia tanto física quanto intelectual, cognitiva e existem jogadores muitas vezes que são precoces, tiveram um grande desenvolvimento físico e começou cedo. Eu acho que cabe a grande responsabilidade do professor de educação física, da escola, do clube de ver esse “timing”. Por que as vezes a gente vê técnicos, que se precipitaram em colocar o atleta, acreditando que ele seria um fenômeno por que ele é atleta, mas não levou em conta as outras maturações, as vezes ele só viu o aspecto físico e não viu o cognitivo, que o menino ainda estava infantilizado. Então acho que não tem uma receita, depende muito da nossa percepção”. (T3)

De acordo com o discurso do T3 é possível observar que defende a ideia de não existir uma idade ou categoria ideal para a especialização esportiva, já que são observados fatores importantes da maturação com implicações no desenvolvimento, na cognição e nos aspectos psicológicos. Santana7 e Menezes, Marques e Nunomura4 apontam que ignorar os fatores relacionados à maturação (e, obviamente, aos procedimentos pedagógicos adotados durante as sessões de treinamento) também pode levar à especialização esportiva precoce e aumentar a possibilidade de evasão.

Dois treinadores (T1 e T2) defendem que a especialização em uma função tática deve ocorrer após os 16 anos. Para T1 alguns praticantes com 15 anos ainda não atingiram a puberdade e ainda podem crescer, mas já vão estar jogando com jogadores que já alcançaram a puberdade e, portanto, são mais altos e mais fortes. Já T2 confirma a necessidade de promover estímulos para que o praticante consiga jogar em toda as posições e aos 16-17 anos começa a definir a função tática do praticante.
“¿A depois dos 16 anos, eu acredito que depois dos 16 anos, por que ainda, por exemplo, o garoto ainda tem 15 anos não atingiu a maturidade fisiológica, as vezes ele pode crescer mais, as vezes tem outros jogadores que já atingiram a maturidade fisiológica né? Então ele já deu aquela crescida. Então crescer muito? ¿Ele não vai, ele já ficou forte? Então em cima disso a gente trabalha, justamente para prever cada situação, para não errar né, errar o mínimo possível”. (T1)
“Então nós fazemos uma rotação para que todos treinem e passem por toda as posições, até porque você pega um menino alto hoje, e você fica treinando ali só de pivô, e amanhã ele não cresce mais, e aí ele se torna limitado e talvez ele tivesse aptidão para jogar como lateral ou como armador, mas, devido a altura dele você treinou ele para trabalhar somente como pivô, posição 4 e 5 que são as posições denominadas hoje. Então para não cometer esse tipo de crime, vamos se dizer assim, com uma criança ou com um adolescente nós não definimos. Aí com o passar do tempo, que você começa a visualizar que o menino tem aptidão para determinada posição, então vamos pensar assim na faixa etária dos os 16, 15, 16, 17 anos, 16 para 17 anos a gente começa a definir qual posição ele vai jogar”. (T2)

Mesmo pontuando isso, T2 defende que ainda sim especializando, é importante que o praticante não deixe de treinar em outras posições.
“Mas mesmo ainda definido qual posição ele vai jogar, nós não abrimos mão de treinar a passagem por todas as posições.”(T2)

Pelos posicionamentos de T1 e T2 foi possível identificar que os fatores maturacionais são considerados como referências para decidir o momento de especializar o jogador, pois ambos justificaram a especialização em uma função tática a partir dos 16 anos em função do desenvolvimento das capacidades físicas (como força, velocidade e potência) associados à proximidade da estatura adulta dos jogadores. Entretanto, Mesquita e Todt23 relataram a importância de considerar os fatores morfológicos, biodinâmicos e pedagógicos durante um processo de formação, para que seja possível evitar um processo de especialização esportiva precoce.

O treinador T3 defende que a especialização em uma função tática deva ocorrer na categoria adulta, para não limitar o desenvolvimento das capacidades do praticante. T3, exemplificando o próprio caso, afirma que possuía estatura elevada aos 12 anos, o que trouxe êxito para ele na posição de pivô. No entanto, posteriormente, passou a exercer as funções de ala e armador, e que se não tivesse passado por um processo de iniciação esportiva amplo possivelmente apresentaria muitas dificuldades.
“Eu acho que só a partir do adulto, a partir dos 18 ou 19 anos, inclusive isso é uma responsabilidade nossa como técnico, porque às vezes nós vemos que porque um menino tem cinco centímetros a mais do que o outro em uma categoria sub-10, sub-12 ele acaba jogando de pivô e nem ensinamos o menino a bater bola, isso acontece com todos nós. ¿Sabe que altura eu tinha com doze anos? 1,90m, é o que eu tenho hoje. Fui seleção brasileira, fiz nas finais do campeonato paulista, federação, 170 pontos em cinco jogos, duas enterradas por jogo, eles tinham que me marcar em três, apenas jogando como pivô. Depois eu tive que aprender a jogar de ala, de ala eu fui bem, me virava fazendo uma posição quatro, porque já sabia jogar de pivô. Só que na categoria adulta eu era baixo e aí tive que aprender armar”. (T3)

Destarte, T3 diz que sua abordagem tende a especializar em uma posição somente na categoria adulta. Sua justificativa está atrelada a uma possível certeza sobre a estatura do indivíduo, reforçando concepções de que o processo maturacional deve ser respeitado ao longo da iniciação, da especialização no basquetebol e da especialização em uma função tática. Este estudo identificou, portanto, que o processo de especialização no basquetebol deve ser gradativo e fruto da construção paulatina do conhecimento por meio de vivências diversificadas, não deixando em segundo plano que a especialização nas categorias iniciais pode trazer malefícios ao jogador, levando até mesmo ao abandono da prática esportiva.

Os achados deste estudo, apresentados a partir dos discursos dos treinadores, se configuram como importantes indicadores para compreender e atuar em longo prazo no processo de iniciação esportiva e de especialização no basquetebol. Como projeções futuras, destaca-se a possibilidade de aumentar o número de participantes e os contextos de atuação profissional desses treinadores, fatos que podem apresentar uma outra perspectiva deste processo.

Este estudo apresentou limitações como a baixa adesão dos treinadores para a participação e o fato de se referir a um contexto específico, que pode não ser generalizável. Por outro lado, espera-se que este estudo possa contribuir com pesquisadores e treinadores com interesse no basquetebol, especificamente sobre aspectos inerentes à formação de jogadores e aos processos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem.

A partir dos diferentes discursos foi observado que os treinadores apresentam concepções diferentes em relação à iniciação esportiva, não apresentando uma única trajetória para o desenvolvimento das capacidades motoras e nos conhecimentos da própria modalidade. Ainda há menção à importância da atuação dos pais como meio para ter o primeiro contato com o esporte.

Outrossim, foi possível observar que os treinadores se preocuparam com a especialização precoce, cuja opinião de dois deles alinhou-se com as prerrogativas do DMSP, especificamente que a partir dos 12 anos aponta uma diminuição no envolvimento com outras modalidades. No entanto, um dos discursos apresentou uma visão menos determinista, que entende cada participante como um indivíduo único, e que a idade para a especialização é relativa. Em relação à especialização em uma função tática no basquetebol, a opinião de alguns treinadores apresentou-se de maneira alinhada (especializar após a categoria sub-16, por motivos relacionados ao desenvolvimento após a puberdade), enquanto outro treinador relatou que essa deveria ocorrer na categoria adulta.

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Financiamiento:não houve.

Agradecimentos:aos treinadores participantes do estudo.

Conflito de interesses: este estudo não apresenta conflitos de interesses.